estilingue atacando cavalariano
5. "1968: O ANO QUE NÃO TERMINOU" (copyright Zuenir Ventura) e a "GERAÇÃO PAZ E AMOR" (primeira revisão)
Eram meus 19 anos, no segundo ano da Faculdade de Engenharia da UFPR. À noite, fazia Economia, na FESP...
No dia 12 de maio, um domingo, haveria um concurso vestibular, que estava programado para instituir o ensino pago na Universidade Federal do Paraná. O local da prova seria no Centro Politécnico.
Nós, estudantes, combinamos que impediríamos a implantação do ensino pago na Universidade. Para tanto, a maior parte saiu de um baile que "varou a noite" de sábado e a madrugada de domingo, e fomos para lá, de manhã cedo. Eu, que na verdade era muito "nerd" (na nomenclatura brasileira da época, com significados um pouco diferentes de "nerd": "caxias" ou "cu-de-ferro"...), não fui ao baile, para chegar descansado e não perder a hora...
Postamo-nos no portão, para impedir o acesso de candidatos e professores. Os policiais, inclusive cavalarianos, também vieram. Não sei de onde nem como, começou o confronto. Alguns estudantes tinham levado bolas-de-gude, para jogar no asfalto e derrubar os cavalos e, alguns, estavam armados de coquetéis Molotov. Eu, nem de longe, esperava qualquer coisa séria; para mim, era uma brincadeira como outra qualquer... Para dizer a verdade, não tinha a menor noção do que estávamos fazendo... "Para disfarçar", eu estava apenas "armado" de um livro debaixo do braço... Na realidade, de alguma forma, sem saber, estávamos sendo "conduzidos"...
Acabei sendo preso, sem reagir, depois de tentar "escapar"... Foram presos, nessa ocasião, uns 30 ou 40 estudantes...
De cômico, lembro-me que entrou no ônibus onde fomos acomodados (fiquei num dos bancos de trás) um Oficial que, em seu discurso, referiu-se a nós como "a camarilha de Mao Tsé Tung"... Achei muito engraçado e não consegui conter o riso... Ainda bem que eu tinha ficado lá atrás...
Era Dia das Mães, e ficamos presos até o final da tarde, no quartel da PM na esquina das avenidas Getúlio Vargas com Marechal Floriano. Depois, soube que as mães tinham feito um movimento solidário, condizente com a comoção de mães com os filhos presos (em pleno Dia das Mães...), que mobilizou a imprensa, a cidade e autoridades, inclusive o governador, para nossa soltura.
Fomos bem tratados, só não lembro de ter sido servida qualquer refeição... Também, pudera... Alguns estudantes e alguns policiais tinham ficado feridos... Mas nada grave, felizmente...
No dia seguinte, segunda-feira, e durante algum tempo, a Tribuna do Paraná publicou sempre a mesma foto minha, sendo preso, acompanhado de um policial...; a foto, com tamanho reduzido, e em preto-e-branco, era a imagem que indicava o assunto "movimento estudantil", uma presença constante na imprensa durante o ano de 1968...
Mas esse Dia das Mães, para mim, foi um "divisor de águas". Decidi não "me meter" mais com política estudantil. Dois dias depois, o movimento prosseguiu, com ato na Reitoria, quando foi derrubado o busto do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda, então Ministro da Educação. Também houve prisões, mas eu não estive presente. E não mais participei do movimento. Havia a ameaça de ser expulso da universidade, e preferi não correr esse risco...
Aí, um outro movimento, no final dos anos 60 e início dos 70, o da "geração paz e amor", chegou até mim. Eram tempos, também, da Guerra no Vietnam. E de protestos contra a guerra, que terminaram com a retirada das tropas americanas e vitória dos rebeldes vietcongs. Tempos também de mudanças aceleradas e de liberação. Tempos de "sexo, drogas e rock and roll"... No meu caso, muito pouco sexo, muito poucas drogas e algum "som"... Se eu pudesse "passar a limpo" essa fase da minha vida, certamente "deletaria" o segundo item (as drogas); embora, no meu caso (relativamente raro, na minha geração), não tenham as drogas (por sorte ou baixo consumo) deixado sequelas, e tenham - paradoxalmente - me ajudado no caminho de reconhecimento do mundo espiritual. E, pela graça de Deus, saí logo dessa... Mas buscávamos alternativas, a uma sociedade que percebíamos doente...
Ouvíamos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Rolling Stones, os cantores e bandas do Festival de Woodstock, o musical Hair, Bob Dylan, Janis Joplin e muitos outros. Continuava o meu gosto pela leitura. E, pouco a pouco, a iniciação no hinduísmo, budismo e cristianismo... Foi um início de aprendizado. Eu começava a perder a inocência. E começava a deixar de ser ateu...
A partir daí, e definitivamente, tive a plena consciência de que seria pelo caminho da paz a minha ação futura. Mas sabia também que o mundo estava muito longe disso... O sonho de 1968 ainda estava muito longe. E eu teria que saber esperar...
Enquanto isso... Muito aprendizado... Muita luta... Muita determinação, no geral... Mas muitos erros, indecisões e tentativas de acerto... Estudo e de trabalho. Lazer e "escapadas"...
Para conseguir as mudanças necessárias, fui percebendo que precisaria ter muita saúde, e muita paciência, e estudo, e trabalho, e preparo...; e precisaria também me aproximar mais de Deus. Mais e mais... Muito mais. Se fosse mesmo para ser alguma coisa comigo, que eu fosse fazer parte da grande transformação que precisávamos, só Ele poderia me conduzir... Mas eu teria que fazer por merecer... E saber esperar, que a minha hora haveria de chegar... Na verdade, em 1968, o que sabíamos nós, que queríamos mudar o mundo? Quase nada...Sabíamos apenas sonhar... Alguns, quiseram logo alcançar o impossível, e pereceram. Outros, se enredaram no caminho de outras ilusões e de outras espertezas, e pereceram ou estão a caminho de perecer... E os vi caindo... À direita e à esquerda... Então, eu olho à minha esquerda, e tem alguém me dizendo: EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA...
Somos parte de algo maior, muito maior...