O espírito de Natal, para nós cristãos, envolve os bons sentimentos que nos levam a amar e compartilhar. É a data do nascimento (Natal) de Jesus Cristo, que veio para nos Salvar, pela Fé e pelo Amor.
Espera-se, pois, que o espírito do Natal se renove a cada dia, durante todo o ano. Mas isso, como se sabe e se vê, não é fácil de praticar, inclusive entre os cristãos e demais religiões e religiosos.
O exemplo, como se sabe, deve vir de cima. Aqueles que mais receberam ou recebem, na forma de dons ou talentos (em especial beleza; inteligência no uso das palavras, organização, liderança e números; prosperidade e outras riquezas) e, em consequência, tiram (ou compartilham) proveitos e privilégios (por definição, imerecidos, já que recebidos tão-somente pela Graça de Deus), serão - certamente, se existe Justiça - chamados a prestar contas de sua administração (ou distribuição e benefícios ofertados). Por definição também, embora preocupados com o Julgamento, na verdade esses são os otimistas, pois são aqueles que acreditam na vida eterna, a vida após a morte (já que - no mundo - a justiça é deficiente, falha e - inexplicavelmente - aleatória ou sujeita à tirania: no mundo, um tirano ou um canalha mata um rei ou um santo). Ou seja: "se não existe Deus, tudo é permitido"; ou, numa outra versão, "os fins justificam os meios"; ou ainda: "aos inimigos, a lei".
O zero, os números infinitesimais, os átomos, o infinito e a eternidade são conceitos lógicos, de pureza matemática. Existem, mas não são vistos com os olhos. São visíveis apenas pelo conhecimento fruto da experiência; pela mente e suas abstrações; pelos "olhos espirituais"; ou pelo coração. Essa é a verdadeira Lei. Essa é a essência do Novo Testamento.
Ou ainda, resumindo para quem diz que "acredita em Deus": resta saber quem, de verdade, é o seu Deus...
Assim, em tempos de pós-Natal, e com o Natal renascendo a cada dia (ou não), nos nossos corações e mentes, nos encaminhamos nesta semana para o DIA MUNDIAL DA PAZ, ou Dia da Confraternização Universal.
A propósito da nossa tão almejada PAZ, passo a transcrever - logo abaixo - o texto de Cláudio Camargo¹, onde cita o escritor israelense, nascido em Jerusalém, em 1939, Amós Oz², já no final do Capítulo que trata das GUERRAS ÁRABE-ISRAELENSES, a décima-quarta de quinze importantes Guerras relatadas e examinadas no excelente livro organizado por Demétrio Magnoli³, HISTÓRIA DAS GUERRAS (Editora Contexto).
Na verdade, esta é uma reflexão válida para todos os povos, todos - sem exceção - guerreiros; cada um a seu modo; e, se analisarmos bem, as razões da guerra sempre estão ancoradas nas deficiências de generosidade, de bom senso e de prudência; e na ausência de diálogo verdadeiro. Excesso de "razões" e interesses, de um lado e do outro, mas sem enxergar "o outro"; e sem buscar a solução no humilde ato de sentar, frente a frente, de corações abertos, e - respeitosamente - conversar; em especial, quando um lado se acha mais forte que o outro, quando para o mais fraco (ou para qualquer dos lados) não é oferecida uma saída digna, ou quando os dois lados acham que podem vencer (pela "força" ou pelo "moral"):
"DIVÓRCIO ANTES DA PAZ
Depois de tantos conflitos sangrentos, é possível pensar em paz entre israelenses, árabes e palestinos no Oriente Médio? Em seu livro Contra o fanatismo, o escritor israelense Amós Oz argumenta que um acordo entre os dois povos é possível e necessário, embora seja doloroso, pois trata-se de um conflito entre o certo e o certo. A citação é longa, mas vale a pena:
Os palestinos estão na Palestina porque esta é a sua terra, e a única terra natal do povo palestino [...]. Os judeus israelenses estão em Israel porque não há nenhum país no mundo a que os judeus, como povo, poderiam chamar seu lar. Como indivíduos, sim, mas não como povo, como nação. Os judeus foram expulsos da Europa, exatamente da mesma forma que os palestinos foram inicialmente expulsos da Palestina e, em seguida, dos países árabes. Os palestinos tentaram, involuntariamente, viver em outros países árabes. Foram rejeitados, às vezes até humilhados e perseguidos, pela chamada 'família árabe'. Tomaram conhecimento, da maneira mais dolorosa, de sua 'palestinidade', pois não eram desejados como libaneses, como sírios, como egípcios ou como iraquianos. Eles tiveram de aprender, pelo caminho mais difícil, que são palestinos e este é o único país em que eles podem segurar-se.
Prossegue o autor de A caixa preta (ainda em seu livro Contra o fanatismo):
O que precisamos é de um compromisso doloroso. Porque ambos os povos amam o país, porque judeus israelenses e árabes palestinos têm raízes históricas e emocionais profundas, diferentes, mas profundas, no país [...]. Se há algo a esperar, isso é um divórcio justo e razoável entre Israel e Palestina. E os divórcios nunca são felizes, mesmo quando são justos. Especialmente esse divórcio específico, que será um divórcio bastante engraçado, porque as duas partes que se divorciam ficarão no mesmo apartamento. Ninguém vai se mudar. Como este é muito pequeno, será preciso decidir quem fica com o quarto A e quem fica com o quarto B, e o que se fará em relação à sala de estar [...]. Muito inconveniente. Mas melhor do que o inferno vivo que todos estão enfrentando no país amado. Palestinos que são diariamente oprimidos, assediados, humilhados, que passam privações por causa do cruel governo militar israelense. O povo israelense que é diariamente aterrorizado por ataques terroristas impiedosos e indiscriminados contra civis, homens, mulheres, crianças, adolescentes, consumidores num shopping. Qualquer coisa é preferível a isto! Sim, um divórcio razoável.
As opções militares e políticas falharam miseravelmente no Oriente Médio. Quem sabe, então, se o caminho apontado por um escritor que está longe de ser um pacifista ingênuo seja, afinal, mais razoável?"
Lembro que, há 4.000 anos, um outro divórcio ocorreu, quando o "pai da fé" para israelitas, cristãos e muçulmanos, Abraão, também pai (na carne) de Isaque (israelita) e de Ismael (árabe), quando instado/colocado em cheque por Sara, mãe de Isaque, levou sua outra mulher, Agar (Raja, para os muçulmanos) para o deserto, iniciando aí uma "briga por herança"; ou, nas palavras dos descendentes Moisés e Maomé, pela "Herança"; cada qual (provavelmente) pensando primordialmente na sua...
Que possamos, pois, mudar hábitos e culturas, para nos transformarmos em GUERREIROS DA PAZ, vencendo séculos de maldições hereditárias, de guerras em cima de guerras, no dia-a-dia de todas as nações e povos, uns povos mais ou muito mais, e outros povos menos, ou muito menos, por diversas razões históricas. A História também ensina muito; mas talvez não ensine a amar...
"A lição sabemos de cor, só nos resta aprender"...
Como "pegamos o bonde andando", a história é longa, e não viemos do nada, conhecer as desgraças das guerras, inclusive das guerras (cada vez mais) civis, e com mortandades e desgraças civis, é - por certo - essencial para construir a paz.
Enfim, para merecer e encontrar a paz, é preciso conhecer as raízes e a natureza da guerra, mais a cultura, hábitos e instintos entranhados, que se autoreproduzem e tendem a preservar - 'ad aeternum', ou até mais um holocausto ou genocídio, ou até o apocalipse - até chegarmos à proclamada 'guerra final' das diversas denominações de fanáticos religiosos ou ideológicos. Guerra que faria, ao contrário do que muitos pensam, o próprio Deus Eterno regredir bilhões de anos, em tristeza; e, momentaneamente, desgraçaria ou extinguiria a Humanidade e o Planeta.
Estudar, entender e saber, para poder agir com conhecimento de causa e competência contra os sistemas e mentalidades que preservam e estimulam a guerra. Para acabar com as mortandades (de irmãos) da guerra nossa de cada dia. Porque cada dia é - e sempre será - para muitos (e para os que assim queiram), um novo renascimento e um novo Natal...
SUN TZU, em A ARTE/A LEI DA GUERRA (séc. IV a.C.): Estudar as Guerras e a História, também para alcançar a PAZ |
¹ CLÁUDIO CAMARGO. Jornalista e sociólogo. Editor internacional da Revista IstoÉ. Participou de coberturas políticas em diversos países, entre eles Argentina, Venezuela, Peru, Chile, Colômbia, Alemanha, Moçambique, Iraque e Rússia. Coautor dos livros Faces do Fanatismo e 12 Faces do Preconceito (Editora Contexto).
² AMÓS OZ. Escritor, novelista, jornalista, intelectual e professor de literatura em Israel. Nasceu em 4 de maio de 1939, em Jerusalém. Seus pais, que falavam diversas línguas, fugiram da Europa para o Mandato Britânico na Palestina, em 1933. Conhece, com o conhecimento de quem viveu e lutou, todas as agruras e guerras dos últimos (quase) oitenta anos em Israel. Recebeu a Legião de Honra da França, o Prêmio Goethe, o Prêmio Israel, o Prêmio Internacional Catalunha, o Prêmio Príncipe de Astúrias, o Prêmio Franz Kafka e outros, em diversos países, todos pelo seus proeminentes trabalhos, intelectuais e literários.
³ DEMÉTRIO MAGNOLI. Sociólogo. Graduado em Ciências Sociais e Jornalismo e Doutor em Geografia Humana pela USP - Universidade de São Paulo. Autor, entre outros, dos livros Relações Internacionais: Teoria e História e África do Sul: Capitalismo e Apartheid (editora Contexto).