segunda-feira, 12 de novembro de 2012

2 - Minha Primeira Campanha Política: 2012 - GUSTAVO FRUET - Parte 2



3 - A RENÚNCIA DE JÂNIO E A " CADEIA DA LEGALIDADE"

Ainda no Rio de Janeiro, participei de algumas campanhas políticas com meu pai. A essa altura, tinha sido informado, por ele, da sua filiação a um partido político ilegal, o Partido Comunista Brasileiro, também chamado de "o Partidão"...; então... ele (e seus "companheiros") tinham que agir na "clandestinidade", se não... podiam ser presos... Que democracia era aquela que não permitia que algumas pessoas se manifestassem livremente? Me disse que "nós" tínhamos candidatos, que eram "nossos", mas isso não podia ser dito "oficialmente"... Me lembro de distribuir "cédulas" dos nossos candidatos e de participar de "carreatas"... Na época, eram essas cédulas que os eleitores colocavam dentro de um envelope para votar... Dentro do envelope individual, pelo que lembro, ia a cédula do candidato a vereador, a cédula do candidato a deputado etc, quantas fossem necessárias...
Aquilo era animado... Eu gostava daquilo... Mas, afinal de contas, o que o meu pai e seus companheiros queriam? Meu pai me disse que o objetivo era "salvar" os pobres da exploração capitalista. E me mostrava as condições em que viviam os pobres. E se emocionava quando compartilhava os dramas e as situações, no meio do povo. E dizia que nós iríamos vencer. Ele me levava a conviver com os pobres, a jogar futebol com os mais pobres, a estudar em escolas sempre públicas, e me ensinava que um dia todos nós seríamos iguais. Que faríamos o governo dos trabalhadores e que todos nós, trabalhadores, éramos igualmente dignos: braçais, intelectuais, artistas, administradores, profissionais liberais, estudantes, todos. Explicava que uns precisavam dos outros e todos deviam ter um salário digno. E lembrava as palavras que (muito tempo depois) soube que eram bíblicas, e de autoria do Apóstolo Paulo: "Quem não quiser trabalhar, não deve comer"... Afinal, ele era um comunista de pais católicos e egresso do Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte, instituição católica filiada à Congregação do Verbo Divino, fundada na Holanda com o propósito de anunciar "a palavra de Deus a todos os povos"...
Eu era muito pequeno, só ouvia... E ficava pensando, "cá com os meus botões"...
Me ensinou também que eu era neto de uma descendente dos índios brasileiros (minha avó Marcilia Silvino Hardy) e de belgas e irlandeses (de meu avô Raphael)... Por parte de mãe, neto de portugueses (da avó Alcina da Conceição Mendes de Carvalho e do avô Francisco Ribeiro Guimarães), e tataraneto de negros... Mas eu era bem lourinho, de olhos azuis e, no Rio de Janeiro, eu era o "russinho"... E jogava futebol com os "neguinho", entre os quais o melhor era o "Pelezinho"... E como eu não ficava muito atrás, alguns adultos, quando me viam "pegar na bola", me chamavam de "Pelezinho Branco"... Bons tempos, né?...
Nessa época, era só viver a vida, sem preocupações, de manhã na escola, depois futebol na rua, dia-após-dia... "naquelas tardes fagueiras"... Em casa, lia Millôr Fernandes, e escrevia meu próprio "jornalzinho"... Tudo 10! Sem stress...
No final de 1959, mudamos para Curitiba; meu pai fora transferido pela Aeronáutica... O ano de 1960 marcou, para mim, meu primeiro ano no Colégio Estadual do Paraná. Foi também o ano das eleições presidenciais. Os vencedores: Jânio Quadros (presidente, apoiado pela UDN) e João Goulart (vice, da coligação PSD-PTB).
Além disso, do Rio de Janeiro para Curitiba, de "russinho", passei a "polaquinho"... (então, tinha menos de 1m30cm...)
Em agosto de 1961, veio a renúncia de Jânio, e a ameaça (quase concretizada) de golpe militar, impedido pela ação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Brizola era cunhado de Jango, e formou a "Cadeia da Legalidade", de rádios aliançadas, com o sinal originado na Rádio Guaíba de Porto Alegre. O rádio permanecia ligado lá em casa. Meu pai acompanhava as ordens, que emanavam de Porto Alegre, para saber o que fazer. A campanha acabou sendo vitoriosa, fez-se um acordo com os ministros militares, e João Goulart, o Jango, tomou posse.

4- O GOLPE DE 1964

Três anos depois, com nossa família já em Curitiba, veio o golpe de estado de 1964. Morávamos na Av. Iguaçu, próximo à República Argentina. Logo após o golpe, alguns militares foram à nossa casa prender meu pai, major da reserva (aposentado na carreira militar). Ele vestiu a farda de oficial da Aeronáutica, e foi. Lá ficou, presumivelmente na Base Aérea do Bacacheri. Quando saiu de nossa casa, foi a última vez que o vi vestir aquela farda azul (que outrora, em tempos ainda mais pregressos, fora cáqui...).
Como sou o filho mais velho, minha mãe me "escolhia", quando se tratava de fazer algumas coisas inevitáveis, mas não muito agradáveis... Dessa vez, fui encarregado de, junto com ela, queimar e incinerar livros; na avaliação dela, "proibidos" ou, na nomenclatura da época, "subversivos"... Um pouco dos livros, queimamos no quintal, outro tanto foi incinerado num fogão a lenha que ficava na cozinha... Para quem tinha, por toda a vida, sido educado a valorizar a educação, a cultura, o saber e os livros, foram momentos dolorosamente "inesquecíveis"... uma tristeza... um choque para não esquecer nunca mais...
Ficamos, com apreensão, esperando a volta de nosso pai. Foram alguns dias... A vida seguia, escola e estudos... Um dia o pai voltou, mas não o vi chegar...
Muito tempo depois, vim a saber das coisas que se passaram naqueles dias, nos quatro cantos do país... Mas, na época, por ser muito jovem, não tinha condições de avaliar toda a extensão e a gravidade dos fatos... Menos mal... Era isso quase que... "uma proteção"...

[Na foto acima, o ex-deputado constituinte Gregório Bezerra, do PCB, eleito em 1946 como o mais votado do estado de Pernambuco, quando levado preso em Recife, em 1.º de abril de 1964]