terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Um pouco de História: Como e por que o General Kruel traiu o Presidente João Goulart?

Goulart - Kennedy - Kruel, em Washington, DC.
John Kennedy foi assassinado em 22/11/1963. 
João Goulart foi deposto em 01/04/1964, 
pouco mais de 4 meses depois.
Em março/abril de 1964, nem todos os golpistas que derrubaram o governo democrático, eram corruptos ou almejavam uma verdadeira democracia, como diziam. Entre os que estavam do outro lado, nem todos os governistas eram democratas ou almejavam o comunismo; e nem todos eram corruptos, ao contrário.
Mas é muito interessante saber como o comandante do II Exército (com sede em São Paulo), General Amaury Kruel (1901-1996), gaúcho de Santa Maria, amigo, homem de toda confiança e compadre do presidente João Goulart (1919-1976), e que foi extremamente decisivo na implementação do Golpe, tomou sua decisão e escolheu o seu lado, apesar de ser 'muy amigo' do presidente Jango. Uma decisão, sem dúvida, crucial.

Segue depoimento do Tenente-Coronel do Exército Erimá Pinheiro Moreira (na época Major), testemunha ocular da História, ao presidente da Comissão Municipal da Verdade do Município de São Paulo, Gilberto Natalini, a propósito do comportamento do General Amaury Kruel, Comandante do II Exército, nos momentos decisivos dos dias 31 de março e 1.º de abril de 1964 (inclusive com os detalhes da compra/venda do apoio do General à Revolução Redentora por US$ 1,200,000 - hum milhão e duzentos mil dólares; dinheiro que tinha - na época - poder de compra muito maior, e que foi entregue em 6 malas, por um grupo liderado pelo então presidente da FIESP). O que ninguém saberá, jamais, é como terá sido distribuída, ou embolsada, a totalidade da grana. O depoimento do Tenente Coronel também esclarece um pouco o destino de grande parte do dinheiro recebido pelo General e o posterior pedido de reforma pelo General Kruel (não muito tempo depois), e que - com isso - foi promovido a Marechal. Um rico Marechal.
Outra versão, esta oficial: Kruel teria mudado de lado diante da negativa do Presidente João Goulart de dissolver o CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, organização intersindical, negando-se também a adotar política dura, de expurgo das esquerdas civil e militar dos comandos que ocupava no governo.
O mais provável, a se crer no detalhado depoimento do Tenente-Coronel, é que o então General tenha escolhido, naquele momento, unir o "o útil ao agradável" (para si mesmo); ou "relaxar e gozar". Vergonhoso. Decisões como essa definem destinos pessoais. E até mesmo rumos da História.
Por outro lado, com o apoio dos USA ao Golpe, o resultado final provavelmente já estivesse decidido, embora não se possa saber ao certo, como veremos.
A lógica diz que, apesar da nação e do exército brasileiros estarem irremediavelmente divididos ao meio, expostos a uma enorme fratura naquele momento, num relativo equilíbrio de forças, mas já pendendo para o lado afinal vencedor, foi no momento em que se tornou efetivo (conforme hoje a História documentada esclarece) o apoio militar norte-americano, manifestado a um dos lados e comunicado por vias diplomáticas ao presidente João Goulart - apoio militar a favor do lado afinal vencedor (o lado dos golpistas de 1964) -  foi neste momento que a balança fez importante inflexão e pendeu, com força, para os opositores do Governo. Nada mais poderia ser feito. A sorte tinha sido lançada.
Mas havia uma outra hipótese, talvez viável: com as guarnições da Vila Militar (I Exército, Rio de Janeiro) e o III Exército (Comando da Região Sul, com sede no Rio Grande do Sul, terra do Presidente) firmes do lado do Presidente João Goulart, o II Exército (São Paulo) era o fiel da balança. Com esses três Exércitos apoiando o Governo, as muito menos poderosas guarnições de Minas Gerais, que faziam parte do I Exército, estariam isoladas (embora houvesse, por trás, o fator USA; e o projetado desembarque das tropas norte-americanas, caso necessário). O IV Exército (Norte e Nordeste), o último que poderia restar contra o Governo (e, neste caso, certamente se acomodaria), pouco poderia fazer, se também acompanhasse a revolta iniciada pelo comandante das guarnições do Exército sediadas em Juiz de Fora, com apoio político do governador de Minas, Magalhães Pinto.
Naquele momento, sem o apoio e a traição de Kruel, o golpe talvez tivesse sido contido; e postergado. Não teria havido, como houve, numa só noite (de 31 de março para 1.º de abril), a manifestação de tantos generais a favor do golpe, num irresistível efeito dominó, unidos "para salvar o Brasil do perigo vermelho". Mas com nosso país tomado pelo turbilhão global da Guerra Fria, muitíssimo maior, poderoso e global; e a decisão dos norte-americanos com relação a nós, para assegurar com mão de ferro a supremacia deles nas Américas, nosso destino já tinha sido traçado. Era inexorável. Tudo o mais foi detalhe. E muitas vidas foram levadas de roldão, neste turbilhão. Faz parte (mas provavelmente o que ocorreu não deveria ter ocorrido, em nome da Pátria e da Democracia)... Nós nos conduzimos mal e nos dividimos, como Nação. Sobrou o que houve: a intervenção externa, "branca" e "silenciosa".







MANIFESTO DO GENERAL AMAURI KRUEL, COMANDANTE DO II EXÉRCITO, NO DIA
1.º DE ABRIL DE 1964

O II Exército, sob meu comando, coeso e disciplinado, unido em torno de seu chefe, acaba de assumir
atitude de grave responsabilidade com o objetivo de salvar a pátria em perigo, livrando-a do jugo
vermelho.
É que se tornou evidente a atuação acelerada do Partido Comunista para a posse do poder, partido agora mais do que nunca apoiado por brasileiros mal avisados que nem mesmo têm consciência do mal que se está gerando.
A recente crise, surgida na Marinha de Guerra, que se manifestou através de um motim de marinheiros e contou com a conivência de almirantes nitidamente de esquerda e a complacência de elementos do Governo Federal, a qual se justapôs a intromissão indébita de elementos estranhos para a solução de problema interno daquela Força Armada, permitiu ficasse bem definido o grau de infiltração comunista no meio militar.
O intenso trabalho do Partido Comunista no seio das Forças Armadas, desenvolvido principalmente no círculo das Praças e objetivando induzi-las à indisciplina, traz em seu bojo um princípio de divisão de forças que reflete enfraquecimento do seu poder reparador, na garantia das intituições.
A atitude assumida pelo II Exército está consubstanciada na reafirmação dos princípios democráticos
prescritos pela Constituição vigente. Inteiramente despida de qualquer caráter político-partidário, visa
exclusivamente neutralizar a ação comunista que se infiltrou em alguns órgãos governamentais e
principalmente nas direções sindicais, com o único propósito de assalto ao poder.
O II Exército, ao dar este passo de extrema responsabilidade para a salvação da pátria, manter-se-á fiel à Constituição e tudo fará no sentido da manutenção dos poderes constituídos, da ordem e da tranqüilidade.
Sua luta será contra os comunistas e seu objetivo será o de romper o cerco do comunismo que ora
compromete a autoridade do Governo da República.

Fonte: 1964: Golpe ou Contragolpe? - autor: Hélio Silva (1904-1995) - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.